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Saúde, direito e educação em prol de uma cultura da paz
A sociedade humana sempre necessitou que as pessoas se desenvolvam individual e coletivamente a fim de parar de repetir padrões cíclicos destrutivos. A sensibilidade do olhar sistêmico permite que todas pessoas que passam por uma ou mais constelações, além de alcançar muito mais qualidade de vida, tornem-se agentes inspiradores de mudança no seu meio familiar/social pela sua nova postura observadora, sem julgamentos, centrada e amadurecida intelectual e emocionalmente. A paz é uma consequência deste comportamento.
 
A origem das constelações no contexto terapêutico
No meio psicoterapêutico, vários estudiosos desenvolveram métodos de acessar bloqueios e traumas a fim de minimizar seus efeitos na vida das pessoas. Bert Hellinger, terapeuta e filósofo alemão, atualmente com 93 anos, combinou e aprimorou tais metodologias, nomeando inicialmente como constelações familiares uma forma de representar um cliente e membros de sua família por meio de outras pessoas a fim de que que o cliente pudesse ter uma visão externa de seus conflitos. O nome original do trabalho desenvolvido por ele, em alemão, é Familienaufstellung e significa, numa tradução literal, “Colocação (Representação) familiar”. Porém o verbo stellen, em alemão, foi traduzido ao inglês como, constellate, ou seja, posicionar certos elementos numa configuração dada. Como o primeiro livro traduzido ao português veio do inglês, e não do original em alemão, foi então traduzido como “Constelações Familiares”.  
As constelações surgiram na década de 80. Posteriormente, passaram a ser utilizadas nos meios organizacionais e pelo direito. Para diferenciar do contexto exclusivamente terapêutico, recebeu o nome de constelações sistêmicas. Na área clínica, no Brasil, é uma prática reconhecida pelo SUS. As bases teóricas que embasam as constelações são a epigenética (traumas transgeracionais) e a neurologia (neurônios-espelho).
No início das constelações, Bert Hellinger colocava os representantes da família de acordo com a história que o cliente - o constelado, contava e o papel do terapeuta - o constelador, era buscar a ordem de cada um no grupo. Com o aprimoramento no decorrer dos anos, as pessoas que eram os representantes para a história que o cliente trazia ficaram livres de papéis pré-determinados, aprofundando e alcançando conflitos muito remotos, dos quais o cliente podia nem ter consciência. Na medida que ele observava o seu representante caminhando ou, muitas vezes, paralisado diante de outro, algo emergia na sua consciência e o tocava profundamente, gerando uma mudança de perspectiva imediata da situação.
A capacidade empática que o ser humano tem em condições normais possibilita que representantes escolhidos aleatoriamente num grupo de desconhecidos possam perceber e revelar os fenômenos ocultos, inconscientes que originam e mantém os conflitos internos e sociais na vida do cliente. Atualmente, na dinâmica das constelações, o cliente apenas escolhe pessoas para representar a ele e ao seu conflito, sem especificar mais nada. As pessoas, simplesmente, são tomadas pelo movimento que surge naturalmente pela capacidade do cérebro humano, de espelhar aquilo que é captado pelos sentidos ao se colocar no lugar de alguém, sem julgamento.
A postura do constelador, o facilitador do processo, é a mais ética e neutra possível, não interventiva e os representantes e constelado, permanecem em absoluto silêncio até que, pela observação e percepção do desenrolar dos movimentos dos representantes, revelam-se as origens do problema até a solução possível no momento, seja na direção de reconciliar polaridades opostas - vítimas e perpetradores - entre ancestrais com os quais o cliente está em ressonância, repetindo padrões familiares de tradições, crenças e conflitos e/ou liberá-lo de sua identificação com tais excluídos de seu sistema familiar. Tudo que não foi resolvido numa geração, seja porque foi ignorado ou escondido em mistérios e tabus, seja porque o impacto foi muito grande e os envolvidos não conseguiram absorver, as gerações seguintes carregam como traumas transgeracionais. Nos grupos de constelação, o cliente pode manter total sigilo sobre o que o motivou a buscar orientação e prescinde de interpretações, uma vez que o processo é sensório-corporal. Enxergar os problemas sob outro ponto de vista e de fora da situação proporciona um efeito imediato no cliente. Os insights que surgem no fenômeno da constelação mudam sua postura diante da vida e o libera dos vínculos e pactos inconscientes familiares. Os resultados a longo prazo são empíricos, pois não há metodologia para mensurar os efeitos após uma constelação, dado que não se trata de terapia com acompanhamento posterior.
Para Manné (2008), o fundamento do trabalho em constelações consiste em concordar com as coisas como elas são e como se mostram. O papel do constelador é colocar-se a serviço do que surge, ou seja, a relação da pessoa com seu meio, se interessar pelo presente como se apresenta, evitando julgamentos e interpretações, ajudando a clarear a posição dos representantes na constelação familiar, de modo que cada um arque com suas responsabilidades, ou mesmo que as consequências de um dano ocorrido não sejam transferidas de pais para filhos e destes para os netos. Por meio da constelação podemos perceber, de forma clara, nosso lugar de potência no nosso sistema familiar e, portanto, no mundo. Aquele que aceita suas origens, tem maiores possibilidades de aceitar a sua força na vida.
As constelações não substituem terapia convencional, mas adaptam-se a várias áreas da saúde, permitindo que as pessoas consigam ver as relações entre suas dores e doenças atuais e seu passado familiar, dando um passo em uma nova direção.
 
As constelações na Justiça
O direito sistêmico é uma nova abordagem para o tratamento dos conflitos na Justiça, que surgiu da ótica baseada nas ordens naturais que regem as relações humanas. Bert Hellinger (2007) reflete que não existe o criminoso como o mal a ser exterminado, e sim um crime onde houve um responsável pelo ato, que aconteceu numa sociedade composta por vários outros indivíduos que compõem o todo. Aquele crime pertence ao criminoso e a todos. Isso não significa minimizar o dano ou o ato, mas aceitar que uma parte de cada um envolvido também está colaborando naquela situação, pois cada pessoa faz parte da vida e tem um poder sobre ela. Assim, rompe a visão dualista de que algo presta e outro não. Pode-se avistar um cenário menos polarizado: tudo presta e em tudo há possibilidade de desenvolvimento e crescimento.
O grupo familiar é dominado por uma força arcaica, que tende a aumentar o sofrimento pelo senso de justiça de seus sucessores, criando um movimento que se repete por várias gerações. Enquanto se permanece inconsciente, esse tipo de ordem mantém sua força. Quando vem à luz, é possível cumprir sua finalidade de outra forma, sem desonrar a dor e o esforço das gerações passadas para resolver. A libertação acontece quando os membros mais novos aceitam o que receberam dos mais velhos, apesar do seu preço, e os respeitam, independentemente do que tenham feito. A esse movimento observado em milhares de constelações e verificado empiricamente em várias culturas, Bert Hellinger dá o nome de ordens do amor, ou seja, leis que ordenam o convívio familiar e social.
Há três leis naturais que regem os relacionamentos humanos: pertencimento, hierarquia e equilíbrio entre dar e receber. Quanto ao pertencimento: todos têm igual direito de pertencer, ou seja, não importa o que uma pessoa faça de reprovável, ela continua tendo o direito de pertencer ao sistema familiar. Se um membro é excluído ou esquecido, outro membro pode tomar seu lugar inconscientemente, imitando o destino daquele. Estão incluídos os membros que pertenceram por consanguinidade, bem como as pessoas que não são da família, mas que causaram um grande impacto naquele grupo. Quanto a hierarquia: aqueles que vieram antes tem precedência em relação aos que vieram mais tarde. Em relação ao equilíbrio, existe uma ordem natural de dar e receber, presente em todas as relações. Para que o amor dê certo, é fundamental que esta lei seja respeitada. A medida de quem dá deve ajustar-se à medida de quem recebe.
A observação fenomenológica dos sistemas familiares revelou que diversos tipos de problemas e conflitos enfrentados por um indivíduo podem derivar de fatos graves ocorridos no passado não só dele mesmo, mas também de gerações anteriores de sua família. Tal abordagem gera implicações importantes na elaboração, interpretação e aplicação das leis, contribuindo para que juízes, mediadores e outros profissionais da Justiça possam se posicionar de modo a trazer maior paz às relações, bem como para que os conflitos sejam solucionados de forma mais rápida e eficaz, no sentido de conciliações verdadeiras e duradouras.
A abordagem sistêmica do direito tem implicações importantes na forma de tratar os conflitos e as pessoas neles envolvidas, inclusive vítimas de violência, réus nas ações penais, adolescentes autores de atos infracionais e em questões relativas à guarda e adoção.
Diz Dr. Sami Storch, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, primeiro jurista a implementar as constelações na justiça: “Se os conflitos entre grupos, pessoas ou internamente em cada indivíduo são provocados, em geral, por causas mais profundas do que um mero desentendimento pontual, os autos de um processo judicial dificilmente refletirão essa realidade complexa. Nesses casos, uma solução simplista imposta por uma lei ou por uma sentença judicial pode até trazer algum alívio momentâneo, uma trégua na relação conflituosa, mas às vezes não é capaz de solucionar verdadeiramente a questão, de trazer paz às pessoas. A solução não poderá ser nunca para apenas uma das partes. Ela sempre precisará abranger todo o sistema envolvido no conflito. Se uma das partes não está bem, todos os que com ela se relacionam poderão sofrer as consequências disso. O direito sistêmico vê as partes em conflito como membros de um mesmo sistema, ao mesmo tempo em que vê cada uma delas vinculada a outros sistemas dos quais simultaneamente façam parte (família, categoria profissional, etnia, religião, etc.) e busca encontrar a solução que, considerando todo esse contexto, traga maior equilíbrio e paz a todo o sistema. Uma sentença de mérito, proferida pelo juiz, quase sempre gera inconformismo de uma das partes – e não raro desagrada a ambas –, em muitos casos enseja a interposição de recursos e manobras processuais ou extraprocessuais que dificultam a execução, retardando assim a efetividade da prestação jurisdicional. Como consequência, a pendência tende a se prolongar em demasia, gerando altos custos ao Estado e muita incerteza e sofrimento para as partes. Além disso, a instrução processual tradicional tende a provocar cada vez mais o agravamento do conflito e o distanciamento entre as partes, uma vez que, muitas vezes, cada uma delas procura defender o seu direito combatendo o da outra parte ou mesmo atacando-a pessoalmente. Tal fenômeno é ainda mais claramente visível nos conflitos de ordem familiar, que têm origem quase sempre numa história de amor (um casamento ou caso amoroso) e geralmente envolve filhos de ambas as partes. A instrução processual, nesses casos, é altamente nociva para todos os envolvidos, pois cada testemunha que depõe a favor de uma parte pode trazer à tona fatos comprometedores relativos à outra, alimentando o rancor e o ressentimento e dificultando a obtenção da paz. ” (Storch, 2014a)
A conciliação no âmbito judicial já se encontra instituída há bastante tempo na legislação brasileira e largamente aplicada nas causas cíveis em geral, mas a prática das constelações alcançou resultados que foram reconhecidos em nível nacional. O método vem se expandindo pelo Brasil, e hoje já está implementado em várias jurisdições em dezesseis estados brasileiros e no Distrito Federal.
O uso das constelações está em conformidade com a resolução no 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça e da Lei no 13.105/2015 (Código de Processo Civil).
No direito, a constelação familiar não deve ser considerada uma abordagem psicoterapêutica, mas trata-se de uma vivência que pode revelar dinâmicas ocultas nas relações familiares e possibilita um autoconhecimento elevado para o indivíduo (Storch, 2017).
Os resultados já observados durante e após o trabalho com constelações na justiça revelam que os participantes têm demonstrado boa absorção dos assuntos tratados, um maior respeito e consideração em relação à outra parte envolvida, além da vontade de conciliar – o que se comprova também com os resultados das audiências realizadas semanas depois e com os relatos das partes e dos advogados da comarca.
Após as audiências de conciliação, pessoas que responderam questionários sobre os efeitos percebidos a partir da palestra vivencial em relação aos relacionamentos em sua família refletiram os resultados mencionados.na análise estatística nas audiências. Na vara de família efetivamente realizadas com a presença de ambas as partes, o índice de acordos foi de 100% nos processos em que ambas participaram da vivência de constelações; 93% nos processos em que uma delas participou; e 80% nos demais. Nos casos em que ambas as partes participaram da vivência, 100% das audiências se efetivaram, todas com acordo; nos casos em que pelo menos uma das partes participou, 73% das audiências se efetivaram e 70% resultaram em acordo; nos casos em que nenhuma das partes participou, 61% das audiências se efetivaram e 48% resultaram em acordo.
Nas entrevistas, houve diversos relatos emocionantes dando conta da melhora das relações familiares dos participantes. Consequência natural disso é a melhora nos relacionamentos em geral e a redução dos conflitos na comunidade (Storch, 2014b).
Uma sociedade democrática é marcada pela participação popular e pela possibilidade de o indivíduo ser reconhecido como sujeito de ação. Reforçando este contexto de construção coletiva de mecanismos democráticos, nas práticas de constelação familiar no Poder Judiciário, pessoas em situações de conflito são convidadas a reverem posicionamentos seja pelo seu compromisso consigo mesmo ou com os outros que compõem uma intrincada rede de relações interdependentes e pertencentes a diversos sistemas: familiares, profissionais, sociais, comunitários. A (re)descoberta desse compromisso conecta ao movimento da vida e  impulsiona a transformações, enquanto indivíduo e sociedade. As práticas sistêmicas, como a constelação, pertencendo ao processo de renovação do Judiciário, possibilita ao cidadão, ser reconhecido como “pessoa” diante da estrutura Estatal que se modifica paulatinamente e nos deixa vislumbrar por entre suas fissuras o surgimento de uma nova estrutura alicerçada no cuidado com valor ético, digno e humano no contato com o outro. Assim a humanidade segue seu contínuo processo de construção, indivíduos tornam-se agentes co-construtores do mundo que querem viver e podem fazer a diferença positiva na criação dessa nova realidade (Lanke & Lopes, 2017).
 
A contribuição da visão sistêmica para a educação
A pedagogia sistêmica é uma nova forma de olhar e explicar o processo educativo que pressupõe que na sala de aula interagem o professor, os alunos e a escola, representada por suas autoridades e o conteúdo acadêmico, bem como a família do estudante e de todos agentes da educação. Todos com suas histórias específicas, suas origens, seus valores e suas normas.
O sistema escola-família é um todo integrado, cercado por estruturas diversas em interação permanente com objetivos comuns, aberto ao que está ao redor, organizado por sua vez como uma totalidade onde o comportamento de cada elemento tem efeitos no todo.
O processo ensino-aprendizagem é a manifestação de um padrão de relações, onde os vínculos que se geram dão forma a tal processo, à aula e ao sistema escolar em sua totalidade.
A visão sistêmica inclui os pais do aluno e as histórias que eles carregam, bem como a influência deles sobre aquele aluno e seu comportamento em sala de aula. O professor que amplia sua consciência ao identificar o poder que isso exerce na vida do aluno, introduz um diálogo que reconhece o lugar e a função de cada uma destas pessoas no espaço educativo. Os pais não são o passado daquele aluno ou aqueles que estão do lado de fora, pelo contrário, estão presentes diante dos olhos do professor quando ele estende um olhar sistêmico para o aluno. O professor vê como estes alunos estão inseridos em suas famílias e sua lealdade a elas e como estes pais são uma presença invisível e permanente. Essa percepção propicia que ele tenha uma relação mais humanizada e produtiva com cada um deles, o que por sua vez, ressonará na relação dos alunos entre si e do próprio professor com sua história e escolhas.
Cada aluno tem uma história, uma família, assim como cada professor e a equipe administrativa da escola estão envolvidos em mecanismos invisíveis aos olhos, mas profundamente sentidos e expressos nos conflitos que emergem destas relações.
As crianças conseguem suportar mais facilmente a insegurança ao se adaptar a um novo sistema – a escola – quando são reconhecidas por tudo que trazem consigo. O paradigma sistêmico inclui tudo e todos no comprometimento de uma postura de profundo respeito nas relações humanas, assim o respeito do professor pelo aluno nada mais é que o respeito por sua família de origem e pelo destino daquela família toda.
O professor não conduzirá constelações em sala de aula, mas o estudo das conexões sistêmico-fenomenológicas amplia muito suas possibilidades de atuação nas dificuldades enfrentadas em sala de aula (Franke-Gricksch, 2009).
Bibliografia
FRANKE-GRICKSCH, Marianne. Você é um de nós. Percepções e soluções sistêmicas para professores, pais e alunos. Patos de Minas: Editora Atman, 2009.
HELLINGER, Bert. Conflito e paz: uma resposta. São Paulo: Cultrix, 2007.
LANKE, Fabiana & LOPES, Juliana. Anais do I Seminário Nacional de Constelações Familiares na Justiça: Práticas de Constelação Familiar no Judiciário (30 de setembro de 2017) / Rio de Janeiro, RJ: Práxis Sistêmica, 2017. 142 p.
MANNÉ, Joy. As constelações familiares em sua vida diária. São Paulo: Cultrix, 2008.
STORCH, Sami. O que é o direito sistêmico? Artigo publicado no blog Direito Sistêmico em 29/11/2010. <https://direitosistemico.wordpress.com/2010/11/29/o-que-e-direito-sistemico/> Acesso em: 22 out 2014a.
STORCH, Sami. Constelações familiares na Vara de Família viabilizam acordo em 91% dos processos. Artigo publicado no blog Direito Sistêmico em 19/03/2014.<https://direitosistemico.wordpress.com/2014/03/19/constelacoes-familiares-na-vara-de-familia-viabilizam-acordos-em-91-dos-processos/> Acesso em: 22 out 2014b.
STORCH, Sami. Direito Sistêmico. Disponível em https://direitosistemico.wordpress.com/ >Acesso em: 15 nov 2017.